terça-feira, 8 de junho de 2010

Copa do Mundo e Olimpíadas: lições de como esconder a pobreza

A Copa do Mundo está aí, e toda a atenção do mundo se volta para à África do Sul. E os esforços promovidos pelo país não são diferentes dos de outros que já sediaram um grande evento esportivo: instalações para atletas, imprensa e autoridades são construídas, investimentos em infraestrutura são feitos, uma grande máquina de propaganda é criada para promover o espetáculo, tanto internamente como externamente, além de, claro, um aumento no efetivo de segurança. E é lógico, esconder tudo que lembra a pobreza debaixo do tapete. Afinal, os sul-africanos devem mostrar como o seu país é agradável e com certeza, crianças pedindo esmolas não ficam bem, principalmente com tanto turistas pelas ruas.

Então, para ajudar na promoção da Copa do Mundo e melhorar a imagem do país, a Polícia Metropolitana de Durban tem promovido blitzes para recolher crianças de rua, levando-as para bem longe do centro comercial da cidade. Obviamente que as autoridades negam, mas a rede de TV sul-africana, ENews, conseguiu flagrar uma operação promovida pela "Metro Police", a noite.



A reporter da rede ainda foi cercada por policiais, depois que começou fotografar as crianças dentro da viatura e ainda ameaçou a reportagem de ter todo o material confiscado se não parasse de gravar videos da ação. Novamente a polícia nega que esteja "limpando as ruas" e que estavam apenas prendendo infratores. Mas acho que não é tão difícil acreditar que uma operação de limpeza esteja acontecendo nas ruas de Durban.

Não é tão difícil porque não seria a primeira vez que isso acontece em um grande evento esportivo. Dois anos atrás, o governo chinês foi acusado de realizar uma completa limpeza na cidade, expulsando mendigos e migrantes não documentados de outras províncias, caçando taxis irregulares e vendedores de rua, além de prender prostitutas. Apenas o fato de ser pobre já era suficiente para ser expulso de sua casa. Segundo o Housing Rights and Evictions (COHRE), uma ONG baseada em Genebra que trata do direito de moradia, 1,5 milhão de pessoas foram expulsas de suas casa para dar lugar à nova infraestrutura na cidade chinesa. E as que não puderam ser expulsas da cidade foram escondidas por paredes, inclusive pequenos negócios que não estariam atendendo "determinados padrões".

Mas não pensem que isso tudo acontece apenas na China ou na África do Sul. Segundo a COHRE, isso sempre aconteceu. 720 mil pessoas foram desapropriadas em Seul para os Jogos de Verão de 1988, 30 mil em Atlanta 96 e centenas de romani (vulgarmente chamados de ciganos) foram deslocadas para os jogos de Atenas 2004. Nem mesmo a rica Vancouver escapa da sina de expulsar seus pobres. E às vezes, nem é necessário a polícia para expulsá-los: a especulação imobiliária simplesmente aumenta tanto os custos de moradia que muitas pessoas acabam se deslocando, em busca de um lugar mais barato. Foi o que aconteceu em Sydney e Barcelona. Isso sem contar a prisões dos indesejáveis sem tetos, como aconteceu em Atlanta (a maior parte, minorias). A verdade, é que os Jogos Olímpicos sempre expulsou, prendeu, humilhou e oprimiu aqueles que estão à margem da sociedade, escondendo-os, assim como fazemos com a sujeira em nossa casa, antes de recebermos uma visita.

Mas voltando à África do Sul e à Copa do Mundo. Tudo que aconteceu nessas cidades supracitadas também está acontecendo na Cidade do Cabo, que também recebe jogos do campeonato mundial de futebol. Aqui, os pobres foram amontoados em Blikkiesdorp (Cidade de Lata, em africâner), um local que parece mais, segundo seus moradores, um "campo de concentração", onde as casas são feitas de uma material tão vagabundo que mal protege as pessoas do frio e da chuva, além de virar uma fogueira no verão. O governo local nega, afirmando que o local foi construído há dois anos. Uau! Dois anos! Muito antes dos jogos da Copa do Mundo...

E a desgraça da Cidade do Cabo não se resume a Cidade de Lata. Ainda tem gente perdendo suas casas. Num dos casos mais chocante, pessoas estão perdendo o que chamam de lar para um estacionamento para carros, tudo para atender as exigências da Fifa. Isso mesmo, um ESTACIONAMENTO!!!

E o que devemos aprender com todos esses casos? Com Pequim 2008, África do Sul 2010, Atlanta 96, etc? Em 2014 teremos uma Copa do Mundo e 2016, os Jogos de Olímpicos de Verão. A sociedade civil deve estar preparada para lutar contra abusos cometidos tanto pela iniciativa privada quanto pelo Estado. Não devemos permitir que a perseguição aos mais pobres, que infelizmente já acontece, tome proporções maiores nos anos vindouros. Estratégias devem ser montadas desde já por ONGs e organizações de amigos de bairro para enfrentar e resistir da forma que for necessária, dentro e fora de tribunais, principalmente para proteger a população mais vulnerável. Grandes eventos esportivos deveriam ser orgulho de quem os sedia, e não desculpa para a opressão dos mais pobres.